Estamos em época de eleições, rescaldados pelo processo político atual da dupla Dilma/Temer, pelos escândalos diários que vem à luz e, principalmente, pelos desdobramentos políticos da Operação Lavajato. É, portanto, tempo de uma reflexão sobre o cristão e a política. O intuito desta lição é lançar luz sobre a questão apontando parâmetros para uma reflexão política e teológica à luz da Bíblia. Pensando na política no seu sentido mais abrangente, precisamos compreender quais os princípios do Reino de Deus se aplicam à nossa prática na sociedade (em todas as áreas), visando aprimorar nossa consciência cristã no âmbito do governo, e o papel do cristão em sociedade, sua vocação e missão no mundo.
Neste sentido, a Bíblia há de nos conduzir a uma reflexão política coerente com a cosmovisão cristã. Há posições e posturas teológicas contrárias, bem como a favor da participação ativa do cristão na política. No entanto, o debate desta lição não foca as posições teológicas e sim o papel do cristão, devendo este ser necessariamente sal e luz. Leiamos os textos bíblicos:
1. Antes de tudo, recomendo que se façam súplicas, orações, intercessões e ação de graças por todos os homens; 2. pelos reis e por todos os que exercem autoridade, para que tenhamos uma vida tranquila e pacífica, com toda a piedade e dignidade. (1 Timóteo 2.1,2)
13 Vós sois o sal da terra; e, se o sal for insípido com que se há de salgar? Para nada mais presta, senão para se lançar fora e ser pisado pelos homens. 14 Vós sois a luz do mundo; não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte; 15 nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas, no velador, e dá luz a todos que estão na casa. 16 Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso pai, que [está] nos céus. (Mateus 5.13-16)
O QUE É O MUNDO POLÍTICO
A política partidária em nosso país é vista como interesseira, suja e corrupta pela maioria dos brasileiros. E, na visão de muita gente, é como um mal necessário. Para outros, além de todo este aspecto negativo, o assunto é chato, complicado, irrelevante e “não temos poder” de mudar o curso das coisas. Junte-se a isto o jargão “política não é coisa de crente” e muitos se fecham para a reflexão sobre este assunto. Evoca-se o conceito da separação entre Igreja e Estado (princípio enfatizados pelos batistas em geral) para nos dar razão para o afastamento de tudo o que se chama política.
Ainda assim, no começo do século XX, o protestantismo brasileiro começou com cristãos engajados, impulsionados por uma visão positiva do Estado e da influência cristã nele e por meio dele. A crença na dupla cidadania do crente – terrena e celestial – e de sua responsabilidade para com o mundo, aprendida com os missionários estrangeiros, também demonstra as raízes desta consiên- cia de engajamento. Este grupo era representado pelos presbiterianos e congregacionais. Por outro lado, os pentecostais defendiam um afastamento mais absoluto da esfera política, pois a sua base teológica era a visão pré-milenista e negativa do futuro, daí a razão para não se envolver na política, pois o “mundo deveria piorar”.
Por outro lado, os evangélicos, que passam de 42 milhões (22% da população), precisam atentar para o seu papel em meio à ação política. Essa “massa” precisa fazer a diferença ética e social neste país. Certamente a presença de cristãos verdadeiros numa nação resultará (deve resultar) em trans- formação de contextos e produção de cultura por meio de boas políticas nas relações com todos os agentes políticos e sociais. O mundo político é o espaço onde políticas públicas, debates de interesse social ou de modelo de desenvol- vimento estão acontecendo. Ficar à margem desse espaço, é abrir mão da condição de ser sal e luz.
Aplicação
Porque temos dificuldade de participar de espaços políticos na sociedade? (reuniões de condomínios, sindicatos, partidos ou governo)
CHAMADOS A EXERCER INFLUÊNCIA
Embora haja desvios e erros da ação política por parte dos cristãos, não se pode deixar de reconhecer os exemplos positivos da influência cristã na política, que trouxeram progresso nas relações humanas, no valor do indivíduo, no conceito de liberdade, na abolição da escravatura, na dignidade da mulher, na legislação e execução da justiça e na construção social como um todo. conforme Wayne Grudem, “... a influência cristã levou à extinção males como o aborto, o infanticídio, as lutas entre gladiadores, os sacrifícios humanos, a poligamia, a prática de queimar vivas mulheres viúvas e a escravidão, bem como essa influência levou à concessão de direitos de propriedade, direitos de voto e outras salvaguardas para as mulheres.”
Os reformadores e cristãos, dos séculos 16 em diante, deixaram a todos nós valores referenciais na ética, e leis baseados em princípios bíblicos. Nos Estados Unidos, a boa influência cristã está registrada nos dizeres da constituição, e ainda há leis humanitárias e que visam à promocão da cidadania. Deus se importa com aquele que sofre debaixo da tirania e do peso do poder político. Aliás, a ação de Deus em favor das pessoas, através de leis e sua justiça, são manifestos desde a criação do mundo.
Deus dá a Noé uma orientação sobre o valor da vida humana e o devido castigo para o crime de homicídio (Gn 9.5,6). Ao longo das páginas da Bíblia percebemos como Deus trata com a injustiça social e a necessidade de socorro aos pobres, viúvas, órfãos e estrangeiros. O Senhor levantou homens e mulheres em posição de autoridade, como Daniel, Neemias e Ester, pessoas que mantiveram a integridade e expressaram fé em Deus, mesmo em meio a uma geração má e corrupta.
Jesus nos deixa um ensino fundamental para lidarmos com o poder humano instituído, dizendo: “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mt 22.21). Ou seja, devemos ser cidadãos do Reino dos Céus, mas também, concomitantemente e em coerência com a cidadania celestial, exercer a cidadania terrena.
Aplicação
Como o cristão pode exercer a cidadania no ambiente político, sem se corromper?
DEVEMOS VOTAR E FISCALIZAR
O cristão deve servir como um norteador moral na sociedade. Embora o nosso cenário político seja mais negativo e de descrédito, o cristão precisa aprender a votar e fiscalizar os que os governantes e políticos fazem. É preciso deixar a famosa “troca de favores” de lado. A índole do brasileiro de “dar um jeitinho” ou “levar vantagem em tudo”, deve ser questionada e combatida. E isso não se faz com discursos, mas com ação prática.
Em primeiro lugar, devemos orar pelo nosso Brasil, clamando por governantes justos e levantados segundo a vontade de Deus. (1 Tm 2.1-4; 2 Cr 7.14). Cremos que nossos governantes, mesmo os mais corruptos e malandros, servem ao plano de Deus e, de alguma forma, contribuem para o nosso bem (Rm 13.1-7; 1 Pe 2.13).
A democracia é feita com a participação popular, e há espaço para a discordância. E não há qualquer traço de rebeldia ao se discordar de um governante ou político eleitos; mas, para isso, é necessários entender onde e como se manifestar, a partir de processos legítimos da própria democracia, de modo pacífico e respeitoso, como convém a cristãos.
Em segundo lugar, os políticos devem buscar a justiça e o bem comum, levando em conta a dignidade, igualdade e liberdade humanas. Eles prestarão contas a Deus (Lc 16.2; Rm 14.12; Hb 13.17). Isso vale igualmente para pastores e líderes cristãos. Um estado laico não significa estado ateu ou sem influência religiosa e cabe aos cristão a defesa do direto de culto e manifestação da fé. Nós batistas, pregamos a “separação entre Igreja e Estado” pois cremos que a Igreja não deve nem ser mantida pelo Estado, nem o Estado interfirir nos assuntos da vida cristã.
Em terceiro lugar, somos chamados por Cristo a ser sal e luz no mundo, influenciando com boas obras todas as esferas da sociedade, o que inclui o governo e a política (Mt 5.16). Mas não podemos confundir o Reino de Deus com a política estabelecida pelos homens no mundo. Os avanços sociais e econômicos, bem como a renovação política, podem melhorar a vida de muita gente, trazer melhores condições de vida para todos, mas continuarão incapa- zes de mudar a fonte dos maus desígnios (o coração do homem), o que só Deus pode fazer mediante o Evangelho e a ação do Espírito Santo. Portanto, nào é política em si que transformará o mundo, mas o Senhor que nos faz semelhantes a Cristo. (1 Sm 16.7; Mc 7.21-13; Rm 8.28; 2 Co 3.18).
Em quarto lugar, o cristão precisa compreender que o princípio da obediência aos governos, e também às regras sociais, estão sujeitas à nossa obediência à Palavra, mesmo que isso nos custe algo. Mais importa obedecer a Deus, que aos homens (At 4.19,20).
Aplicação
Cite um conceito popular ou uma lei que o cristão não deve obedecer
Conclusão
O papel do cristão não é apenas orar, mas também compreender os mecanismos da vida política e social, tendo por base o que a Palavra de Deus nos instrui a respeito. É preciso que na nossa geração se levantem homens e mulheres vocacionados para esta área da cidadania (Tt 2.10). Não dá para ficar no discurso da negação (nada presta), ou para fazer a apologia do uso da estrutura do Estado (político despachante de igreja). É tempo de por em prática os princípios do Reino de Deus e, desse modo, contribuir para o exercício da cidadania (Tt 2.10). É tempo de participar dos debates e assuntos da sociedade, para defender a justiça, a paz, o direito e as boas causas enquanto Cristo não vem. (Francis Schaeffer)
Referencial bibliográfico
Cavalcanti. Robinson. Igreja: Agência de Transformação Histórica. Editora Sepal, São Paulo, 1987
Grudem, Wayne. Política segundo a Bíblia: princípios que todo cristão deve conhecer. São Paulo: Vida Nova, 2014
Schaeffer, Francis. Morte da Razão, Editora Fiel/ABU, São Paulo, 1974
Definição de termos teológicos
Estado laico significa um país ou nação com uma posição neutra no campo religioso. Também conhecido como Estado secular, o Estado laico tem como princípio a imparcialidade em assuntos religiosos, não apoiando ou discriminando nenhuma religião.
Texto reproduzido a partir dos artigos O cristão e a política e Critérios para escolher bem seu vereador, escritos pelo pastor Elton Melo em 2008. Este texto foi publicado na RED Revista de Estudos Bíblicos da Editora Batista Independente, do III trimestre de 2016, lição nº 6 sugerida para o dia 07/08/2016.